O Cruzeiro foi rebaixado no Mineiro de 1926


penas-que-e-mentira-mineiro-26-01Entre as falácias atleticanas, procurar rebaixamentos na história do Cruzeiro é uma das preferidas. Empenhados em colocar na história celeste uma mancha como a que viveram em 2005 (e poderiam ter vivido em 1993 quando fizeram a pior campanha, caso o regulamento do Brasileirão não previsse imunidade aos participantes dos Grupos A e B da competição), os atleticanos tem como hábito, inclusive, criar montagens de jornais para “comprovar” as quedas celestes. Como a falsa capa abaixo do Estado de Minas.

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Ainda que tenha sido criado em 1925, é certo que o Estado de Minas não poderia ter parceria com o Portal Uai (Internet) em 1926. Mas de onde surgiu esta história? É o que pontuo a seguir.

Existe uma grande polêmica sobre o número de títulos estaduais do Cruzeiro. Segundo o clube, foram 38 conquistas. Existem jornais que colocam 37, ignorando ou o Supercampeonato Mineiro de 2002 (naquele ano, a Caldense venceu o Campeonato Mineiro apenas com os times do interior. Na sequência, ocorreu a disputa do Supercampeonato Mineiro com as equipes da capital e a Veterana, competição vencida pelo Cruzeiro) ou a Liga organizada pela Associação Mineira de Esporte Terrestres em 1926, composta por dissidentes da Liga Mineira de Desportos Terrestres, como se chamava então a Federação Mineira de Futebol. Para a FMF, por sua vez, a Raposa tem 36 conquistas, ignorando ambas as competições.

O fato é que em 1926 ocorreram dois campeonatos distintos e não uma primeira e uma segunda divisão, conforme tentam convencer os atleticanos. O cenário, marcado pelos conflitos próprios do amadorismo do início do futebol no Estado, se repetiu, inclusive, em 1932, com o Palestra Itália e outras equipes rompendo mais uma vez com a LMDT. Curiosamente, o Villa Nova, campeão da Liga dissidente naquele ano, é reconhecido pela FMF como Campeão Mineiro de 1932, dividindo o título daquele ano com o Atlético Mineiro, campeão da Liga organizada pela antiga Federação.

O rompimento do Palestra Itália e outros clubes com a LMDT em 1926 e 1932 configura rebaixamento? É evidente, especialmente pelo reconhecimento da própria FMF ao título do Villa Nova em 1932, que não. O título de 1926 do Palestra Itália, aliás, também já foi reconhecido pela FMF, conforme print do site da Federação publicado pela Revista do Cruzeiro n° 47 de maio de 2000. Contudo, durante a presidência de Paulo Schettino, conselheiro do Atlético Mineiro, o quadro de campeões desapareceu do site da Federação e a FMF passou a não considerar a conquista palestrina nas contas que faz dos títulos cinco estrelas.

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Para constatar que o Palestra Itália não foi rebaixado nos anos de 1925 ou mesmo 1931, basta uma consulta simples a situação dos “Campeonatos da Cidade” destes anos, uma vez que a competição passou a se chamar Campeonato Mineiro apenas em 1958.

Em 1925, ano do tal rebaixamento, o campeonato contava com seis equipes e teve a realização de apenas 3 jogos. Sete de Setembro 5 X 2 Calafate; América 4 X 1 Atlético Mineiro; Sete de Setembro 1 X 2 Luzitano. Além disso, a partida entre Palestra Itália e Luzitano não foi realizada em função do não comparecimento do time luso-brasileiro, com o Palestra sendo declarado vencedor por W.O. Este cenário é confimado pela dissertação de mestrado do sociólogo Marcus Vinícius Costa Lage, defendida na PUC-MG e que a partir de suas pesquisas afirma que “o campeonato de 1925 foi concluído com a realização de apenas três rodadas, pois os clubes desistiram da competição, tendo o América se sagrado campeão pela décima vez consecutiva”. (p. 123)

A ausência de informações precisas e os “motivos da desistência dos demais clubes não foram encontrados”. (p. 123). A classificação do “Campeonato da Cidade” de 1925, contudo, ficaria assim: (Como o Palestra não jogou com o Luzitano e não havia na época um valor estabelecido para o WO, a partida não foi contabilizada).

Posição Clube Pontos Jogos Vitórias Empates Derrotas GP GC S
América 3 1 1 0 0 4 1 3
Sete de Setembro 3 2 1 0 1 6 4 2
Luzitano 3 1 1 0 0 2 1 1
Palestra Itália 0 0 0 0 0 0 0 0
Calafate 0 1 0 0 1 2 5 -3
Atlético 0 1 0 0 1 1 4 -3

Os motivos para o Campeonato não ter terminado são imprecisos, embora conste que os jogos foram sendo adiados e que a interrupção para a disputa do Campeonato Brasileiro de Seleções acabou por suspender a competição. Em 1931, a Liga Mineira não reconhecia o campeonato, inclusive, conforme consta em matéria do Estado de Minas do dia 16/01/1931 e que diz que “o campeonato de 1925, do qual poucos jogos se realizaram foi considerado inexistente para todos os effeitos em reunião conjuncta da directoria da Liga, com os presidente dos clubs interessados (Acta de 18 de dezembro de 1925)”. http://www.campeoesdofutebol.com.br/minas_gerais_historia2.html. A FMF, contudo, reconhece o título americano, tendo validado a conquista e o decacampeonato americano em 2012, ano do centenário da competição.

A matéria do Estado de Minas de 1931, aliás, é excelente para desmentir a falácia do rebaixamento. Na mesma, como é possível conferir no link acima, consta que naquele ano a federação decidiu premiar todos os antigos campeões do “Campeonato da Cidade”, inclusive os da 2ª Divisão, criada em 1928, portanto dois anos após o falso rebaixamento palestrino. Santa Cruz (1928) e Fluminense (1929 e 1930) foram laureados.

O Palestra Itália, portanto, não foi rebaixado em 1925, uma vez que a competição sequer previa o rebaixamento. Mas ainda é necessário explicar porque ocorreram dois campeonatos em 1926.

Segundo Lage, no início de 1926 “o Palestra Itália solicitou à LMDT autorização para realizar jogo amistoso contra a Associação Atlética Caçcapavense, da cidade de Caçapava-SP” (p. 78). A Liga, contudo, negou a autorização. A justificativa mais plausível encontrada por Lage para a recusa é que a “Caçapavense disputou amistosos na capital mineira durante o referido ano e derrotou a equipe do America, campeã mineira entre 1916 e 1925, e do Athletico, [que seria] campeão mineiro de 1926. Uma possível vitória do Palestra Itália contra a Caçapavense colocaria em questão a hegemonia de americanos e athleticanos em Belo Horizonte, fator esse indesejado por essas agremiações esportivas que negaram a demanda palestrina.” (p. 78).

A rejeição ao pedido do Palestra Itália, contudo, não impediu que o time viajasse a Caçapava e enfrentasse o rival. Derrotado por 2X1, o Palestra retornou a Belo Horizonte e acabou por ser EXCLUÍDO do Campeonato da Cidade de 1926 por desobedecer a decisão da Liga. Nada, portanto, de rebaixamento.

Aproveitando-se das insatisfações de outras agremiações com os constantes favorecimentos da federação a América e Atlético, o Palestra Itália angariou dissidentes e liderou o movimento de fundação de uma “nova entidade de gestão esportiva na capital mineira, denominada Associação Mineira de Esportes Terrestres (AMET) entidade filiada a CBD, promovendo e vencendo um campeonato de futebol paralelo ao da LMDT, no mesmo ano, com a participação dos clubes suburbanos belo-horizontinos Avante, Grêmio Ludopédio, Fluminense, Olympic e Santa Cruz.” (p. 78).

A criação da nova liga, contudo, desagradou o que, até então, eram “as duas principais agremiações de Belo Horizonte, America e Athletico. O estádio palestrino era o único que cumpria os pré-requisitos para sediar jogos oficiais da CBD na cidade. Além disso, os espetáculos esportivos dependiam do clube ítalo-brasileiro, que à época contava com muitos adeptos na cidade. Como forma de contar novamente com essa praça esportiva filiada à LMDT e com o público consumidor dos jogos palestrinos, os principais dirigentes da entidade retiraram a punição ao Palestra Itália, aceitando-o novamente na Liga em 1927 sem qualquer ônus para o clube ítalo-brasileiro, extinguindo assim a AMET.” (p. 78).

O retorno do Palestra Itália a LMDT, portanto, não se deu pela conquista de uma Segunda Divisão em 1926, mas sim pela suspensão da exclusão imposta no início daquele ano em função de uma ida do clube ao Estado de São Paulo, contrariando a Federação.

Em 1931, outro choque com os favorecimentos da LMDT provocou um novo racha na competição, desta vez ainda mais severo e recrutando até mesmo o América e o Villa Nova.

Segundo Lage, “os três principais clubes que se entendiam lesados pela política empreendida pela referida entidade eram América, Sete de Setembro e Villa Nova. O América e o clube suburbano Calafate se sentiam prejudicados quando seus atletas foram punidos por lances violentos durante os jogos. Isso ocorreu também com o Villa Nova em jogo contra o Athletico, que marcou um gol após o tempo regulamentar. E, por fim, novamente os dirigentes do América acreditavam que a Comissão Tecnica da Liga agia com parcialidade e de acordo com “interesses clubísticos” quando foi feita a seleção de atletas mineiros para o 8º Campeonato de Brasileiro de Seleções de 1931. Como o America tinha o maior número de pontos, liderando assim o campeonato local promovido pela LMDT, seus dirigentes acreditavam que seus atletas deveriam figurar em maior número na Seleção Mineira de 1931, o que não teria ocorrido, provocando o boicote da diretoria americana que não liberou seus jogadores para a referida competição.” (p.79).

Naquela edição, os conflitos se acentuavam até um episódio em que “a sede da Liga foi invadida por um grupo descontente apresentando um ofício de deposição da diretoria.” (p. 79).

Conforme Lage, “os “ocupantes” depuseram a direção e elegeram uma nova diretoria provisória (…) Entretanto, a deposição da direção da Liga, preconizada pelo América, Sete de Setembro, Villa Nova e demais clubes partícipes do movimento, não foi efetivada, uma vez que a maior parte dos filiados à LMDT permaneceu fiel a Anibal Matos e ao Athletico. Em 30 de setembro, a Liga recebeu o apoio do Palestra Itália que cedeu provisoriamente sua sede à LMDT” (p. 79-80).

A radicalização fez com que América e Villa Nova fossem excluídos do Campeonato da Cidade daquele ano e “sem a participação dos dissidentes do campeonato organizado pela LMDT em 1931, Athletico e Palestra Itália terminaram a competição empatados. (…) Para definir o campeão do referido ano, Athletico e Palestra Itália deveriam se enfrentar em três partidas, ou, no meio futebolístico, através da “melhor de três”, tal como definido pelo regulamento da Liga”. (p. 82).

Na decisão, porém, novo conflito. Após ser derrotado no primeiro jogo, o Palestra Itália acordou com o Atlético Mineiro que um árbitro carioca apitaria a segunda partida, uma vez que as queixas de América, Villa e outros dissidentes eram de que os árbitros indicados pela AMDT favoreciam o Atlético.

No dia 06/12/1931 seria realizado o segundo confronto, mas a ausência de um árbitro carioca fez com que o Palestra Itália não entrasse em campo. O duelo foi remarcado para o dia 20 de março de 1932, quando a situação se repetiu e o Palestra mais uma vez se recusou a atuar, acusando o descumprimento do acordo. O episódio, relatado pela GaloPedia (http://galopedia.blogspot.pt/2003/02/20031932-atletico-mg-w-o-palestra.html), também está no estudo de Lage, que ainda pontua “que o campo foi invadido pelos espectadores adeptos do Palestra Itália” (p. 82-83).

O Atlético Mineiro seria assim proclamado campeão e o Palestra Itália vice, mas o desgaste era tamanho que “em março de 1932, os clubes “excluídos” da Liga fundaram nova entidade de organização desportiva local, tendo sido acompanhados ainda pelo Palestra Itália e pelo Grêmio Ludopédio Carlos Prates. A nova entidade denominada Associação Mineira de Esportes Gerais (AMEG), também amadora, coexistiu com a LMDT até princípios de 1933, quando os clubes mineiros, enfim, decidiram por unificar a entidade e as competições esportivas do Estado mais uma vez” (p. 83).

Nota-se, portanto, que a falácia do rebaixamento palestrino no “campeonato da cidade” de 1925 esconde, na verdade, um histórico de favorecimento ao Atlético Mineiro pela Liga Mineira de Desportos Terrestres que levou a divisão da mesma liga por dois momentos distintos.

Curiosamente, atualmente a Federação Mineira de Futebol reconhece o título do América de 1925, o campeonato que não terminou, os títulos atleticanos de 1926 e 1932, organizados pelo seu órgão antecessor, e de 1931, conquistado conforme o episódio acima, além do Villa Nova de 1932, disputado nos mesmos moldes do obtido pelo Palestra Itália em 1926, o qual a Federação, desde a presidência do conselheiro atleticano Schettino, não mais reconhece, passando a colocar o Cruzeiro como vice daquela temporada, aliás: http://www.cruzeiro.org/noticia.php?id=42545

No fim das contas, é a própria Federação que dá brecha para que os atleticanos sustentem tal falácia. E que deve fazer muita gente pensar, na verdade, se a política de favorecimentos já não mais existe.

Sobre o tema, ver ainda:

http://www.ludopedio.com.br/v2/content/uploads/242145_Lage_(M)_-_Deixem_em_paz_os_nossos_cracks.pdf

http://www.mg.superesportes.com.br/app/noticias/especiais/america100/2012/04/19/noticia_america_100,212696/decacampeonato-serie-de-titulos-do-coelho-gera-polemica-entre-historiadores.shtml

Por: João Henrique Castro