Menos que “tudo” será “nada”


Sabe aquelas noites em que você custa a dormir, e, quando consegue, mexe, remexe, acorda, bebe água, levanta, faz xixi, volta, cochila, sonha estranho, acorda de novo e, quando nota, o sol já está batendo na sua janela, te pedindo pra acordar? Então. Minha noite foi exatamente assim.

O estado de tensão em que se encontra a maioria dos cruzeirenses hoje, ao redor do mundo, pode ser considerada acima da média. Afinal, a batalha de hoje é contra um time argentino, e contra times argentinos, temos que fazer nosso melhor – e menos que isso, como já vimos, não é nada. Um argentino que está líder do grupo mais difícil da Libertadores 2010, que foi o carrasco da nossa primeira derrota no ano (Campeonato Mineiro não conta) e que sustentou uma escrita de sei lá quantos anos. Hoje, para o Cruzeiro, a questão é maior do que romper tradições; é questão de sangue, de honra.

Geralmente eu sou aquela que respeita os times argentinos pela sua garra, força, o jogo jogado como se aquela fosse a última coisa que cada um fosse fazer na vida – jogado como se a própria vida fosse depender disso. Mas hoje eu deixo todo esse puxa-saquismo de lado e peço, humildemente, aos nossos guerreiros: humilhem, esmaguem, acabem, atropelem esses argentinos indesejados, que de visitantes viraram intrusos. Menos que isso será nada.

Essa semana o futebol perdeu um grande poeta (pois jornalistas somos nós, que achamos que sabemos tudo, e na verdade não sabemos de nada). Armando Nogueira era um monstro das palavras doces e acreditava na força da nossa torcida. Em sua crônica sobre a vitória da Copa do Brasil de 2000, escreveu:

A torcida do Cruzeiro, quando viu seu time em perigo, desatou sobre o campo um vendaval de esperanças que contagiou os jogadores. Eles que, já por si, estavam dando um exemplo emocionante de brio, de coragem, de repente, sentiram-se fortalecidos, canonizados, quase. Pois foi assim que vi, nas duas partidas, o time do Cruzeiro: infatigável, solidário, destemido e santificado pelo entusiasmo de sua multidão.

Eu peço a cada um de vocês, guerreiros, indo ou não ao campo hoje, que se inspirem nas palavras de Armando Nogueira para levar nossos comandados à vitória limpa, doce, cheia de sangue, suor e raça. Se acaso começarmos em campo sentindo pena do adversário, que nosso brado, que vem dos cantos do mundo, possa ecoar no Gigante dizendo: “Avante, Cruzeiro!! Só o triunfo nos interessa”.

Peço licença a Armando Nogueira para usar sua poesia, outrora veiculada a tabelinha de Pelé e Tostão, para pedir que hoje a existência de Deus seja confirmada nos pés de Kleber e Thiago Ribeiro, nos passes de Gilberto, Henrique, Marquinhos Paraná, Fabinho, nos cruzamentos precisos de Diego Renan e Jonathan, na sede pelo sangue inimigo de Leonardo Silva e Thiago Heleno e nas mãos aguerridas de Fábio, nosso santo particular, nossa mais fatal combinação entre o sagrado e o profano durante 105 minutos.

Que a existência de Deus também seja provada nas nossas arquibancadas, nos nossos apitos e nas nossas bandeiras, no nosso escudo tão estrelado, contagiante e, principalmente, temido. Não só a existência Dele, como também Sua presença, Sua tranqüilidade e a paz que Ele inspira. Que, apesar do furor da guerra, da sede de vingança, da humilhação iminente do inimigo, haja nos corações de vocês, torcedores GUERREIROS, algo de enigmático, de poderoso e predestinado àquilo que, para nós, já está escrito.

Se acreditarmos, tudo será nosso, pois, como bem disse o mestre Armando Nogueira, “é sempre melhor ser otimista do que pessimista. Até que tudo dê errado, o otimista sofreu menos”.

Avante, Cruzeiro, pois o objetivo está à frente: Libertadores, ainda que tardia. Que a esperança nunca nos falte e que o sonho nosso pelo Tri seja tenso, intenso e verdadeiro. Que seja azul da cor do mar. Que seja tudo. Menos que isso, não será nada.

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Um dia, antes do derradeiro apito, ela (a bola), há de morrer, como um gol, no fundo do meu coração.

Vá em paz, mestre. E que sua estrela nos ilumine para a sorte.

Armando Nogueira
14/01/1927 – 29/03/2010