08 jun Acabou
Sou péssima em despedidas. Quando sei que alguma está prestes a acontecer, me martirizo por vários dias antes, choro, esperneio, me preparo. Não quero pensar, não quero ouvir, não quero falar sobre. Fico ali, no meu canto, calada, fazendo alguns determinados projetos, tentando a todo custo reverter um quadro onde a palavra final vai ser “adeus”. Ando, como diz aquela velha música que a maioria de vocês não gosta, meio preocupada, meio confusa e meio calada. Querendo ver quando não quero.
E sou tão péssima em despedidas que, quando a hora chega, eu teimo em ser forte e ousada, e dar “tchau” com coragem. Daquelas que, em velório, espera até o caixão fechar, pra saber, mesmo, que o adeus é definitivo. Sem volta.
Sou tão péssima em despedidas que, mesmo cheia dessas dualidades, não consegui assistir, ontem, ao último jogo de Ronaldo.
“E no silêncio, no escuro do quarto, ando revendo nossos velhos retratos. E agora você vem me dizer…”
Acabou. Acabou e, mesmo estando longe, e indiferente por várias vezes durante esse processo, mesmo não sendo amiga, parente ou companheira de trabalho, a dor invade o coração. Mas acho que é porque nele só existe orgulho. Orgulho de ter visto esse cara começar a carreira em 1993, no Cruzeiro. Um moleque de 17 anos, feio e franzino, fazendo brilhar os olhos de uma garotinha de seis, que nada entendia de futebol, mas já tinha a paixão crescendo no peito e na consciência.
Orgulho de ter sido uma de tantos fãs, meros desconhecidos, desse rapaz que saiu do Cruzeiro, celeiro de estrelas (a gente nunca se contentou só com cinco), para o mundo. E caminha, meu filho, que o mundo é grande! Orgulho imenso de ter visto esse guri magrelo ganhar corpo, ganhar força e reforçar a raça, e fazer do mundo uma bola de 12 gomos. Embora continuasse feínho e dentuço, sempre foi apaixonante. Sempre foi aquela pessoa em que todos descansam o sonho de dar um abraço forte e falar baixinho, ao pé do ouvido: “você é o cara!”.
Orgulho de saber que esse foi o cara mesmo quando a dor dominou o corpo; orgulho de ver de perto, e com consciência, um ser humano ressurgir das cinzas duas vezes, como uma fênix. Sair do nada para voltar à glória e, maior do que tudo e que todos, não viver essa glória sozinho. Esse ser humano que não desistiu, que lutou, que nos fez ver a importância de não se entregar, e que virou o símbolo da propaganda que diz que somos brasileiros e não desistimos nunca, carregou essa nação nas costas. E ainda como se fosse aquele moleque franzino, feio e dentuço de 17 anos, só que um pouco mais velho e com um mal gosto capilar notável, nos fez sorrir, nos fez sonhar com a superação dos nossos próprios limites.
Em 2002, o ano do pensamento mágico, Ronaldo nos fez aceitar que realmente somos brasileiros que não desistem nunca. O complexo de vira latas tinha ficado nas crônicas de Nelson Rodrigues. O mundo é uma bola, o futebol é o Brasil, e o Brasil é Ronaldo. Ronaldo é nosso.
Orgulho, enfim, de ver que a sexta estrela desse meu time iluminou mares, atravessou oceanos, dominou continentes e, em velocidade de cruzeiro, arrastou multidões ao encantamento e à subordinação. Um novo rei havia surgido. E, já nos 45 do segundo tempo, mesmo com alguns quilinhos a mais, ainda carregava a leveza daquele corpo franzino, de moleque dentuço e desajeitado, com um gosto capilar horrível, mas com a consciência de quem sabe que 109 quilos de massa é, na verdade, muito pouco espaço para abrigar o maior do mundo.
“E eu tão acostumada a ter tudo na mão, tão acostumada a ter sempre razão… Perdi a noção de tempo, espaço e direção. E agora vem você dizer…”
Acabou.
E eu tenho orgulho de ter visto o começo, o meio e o fim. Orgulho de saber que participei desse espaço de tempo que consagrou um dos maiores atletas de toda a história, de todos os esportes, dos campos, das quadras, dos saibros. De ter sido uma jornalista na época onde ele deu tantas “alegrias” à classe. E que, mesmo com todos os colegas de profissão falando dos seus tamanhos, dos seus travecos e dos seus Corinthians e Flamengos, não se deixou abalar.
Agora eu entendo as premissas venenosas dos caros jornalistas da imprensa brasileira, que tudo vêem e nada perdoam: errar é humano. Esse homem, no entanto, sempre foi mais do que isso.
E pela passagem na imprensa, existe também meu orgulho ferido por ter visto tantas vezes o meu ídolo falar de seus grandes feitos parecendo não se lembrar de onde tudo havia começado. “Fala do Cruzeiro, Ronaldo! Fala do Cruzeiro!”. Nunca acontecia.
Acabou. Essa angústia também acabou.
Mas mesmo que tudo acabe ainda existe o orgulho de ver que esse homem, tão imenso em sua finitude, ainda encontra tempo para nos agradecer e dizer que “nós somos demais”. Que diz que “tive três chances de gol e não consegui fazer. Seria uma pequena retribuição pelo que fizeram por mim”. E, na maior prova de humildade que um homem pode demonstrar, ainda diz “muito obrigado por tudo”.
Nós é que agradecemos, querido amigo!
Queremos, agora, te dar um abração coletivo, sentar em uma tarde de domingo em plena praça pública e assistir, junto a você, o surgimento de novos grandes. Acho difícil que exista um maior, e por isso eu também tenho que agradecer. Agradecer pelo que aprendi, pelo que vi e por tudo que entendia quando te via jogar.
Agradecer por mostrar ao mundo o que um jogador de futebol tem que ser.
E agradecer ao cara lá de cima por ter me dado o privilégio de dizer, ainda que com uma dorzinha por te deixar ir, que tenho orgulho de ser da Geração Ronaldo.
Obrigada, meu velho e imortal ídolo. E que a sua estrela nos ilumine para a sorte.
http://www.youtube.com/watch?v=jqE-c_Bep5M