16 jun A greve de 1997
O tema de hoje é Copa Libertadores. Sim. A principal competição do continente e da qual o Cruzeiro é o único time de Minas Gerais com duas conquistas. Aos atleticanos, diante da inferioridade numérica de títulos, só restava uma alternativa. Desqualificar as que o Cruzeiro já tinha quando, enfim, o clube alvinegro conseguiu colocar o seu escudo na taça, 54 anos depois que a mesma foi disputada pela primeira vez.
A desqualificação atleticana parte de duas premissas, uma para cada conquista do Cruzeiro. A de que em 1976 se dava mais importância ao título estadual, completamente infundada em uma época em que não se existia o papo de priorizar competição A ou B, mas foco para outra discussão; e a de que em 1997 os clubes argentinos estavam em greve, abrindo caminho para a conquista da Raposa.
A base do argumento atleticano está contida em um fato real, mas que não teve impacto algum na competição. Para isto, basta uma simples pesquisa de datas e das escalações do Racing, única equipe argentina que, efetivamente, poderia ter sido influenciada pela greve, para saber que se trata de mais uma invenção alvinegra.
Uma Matéria da Folha de São Paulo de 30 de Julho de 1997 explica que a greve tinha se iniciado na sexta-feira anterior a disputa decisiva entre Sporting Cristal e Racing por uma vaga na decisão da Libertadores (25/07/1997 – na realidade, a votação que aprovou a greve ocorreu no dia 23/07, data do primeiro jogo da semifinal) e havia sido mantida pelo sindicato dos jogadores argentinos em reunião realizada naquela data. Na ocasião, portanto, a Copa Libertadores de 1997 já encontrava-se na fase semifinal e dos três representantes do país, apenas o Racing permanecia no torneio, uma vez que os demais semifinalistas eram Sporting Cristal, Colo Colo e Cruzeiro.
Naquele ano, River Plate (campeão da Libertadores 1996), Racing (campeão do Apertura 1996) e Vélez Sarsfield (campeão do Clausura 1996) representavam a Argentina na Libertadores. Naquela época, aliás, a classificação para a competição já era um trunfo importantíssimo e apenas os campeões no Brasil e na Argentina disputavam o torneio. Cruzeiro (campeão da Copa do Brasil 1996) e o Grêmio (campeão brasileiro de 1996) representavam o Brasil. Segundo este modelo, o Atlético Mineiro, vice-campeão brasileiro de 2012, sequer teria disputado a Libertadores que venceu. Mas esta é outra história.
Sobre os argentinos, ainda que não tenham cruzado o caminho do Cruzeiro, eram três equipes fortes e que já haviam dado demonstrações de poder no torneio nos anos anteriores, a começar pelo River Plate que defendia o título e, devido a isso, estreou nas oitavas-de-final conforme ocorria na época. O adversário foi o Racing, de quem falaremos mais adiante.
Considerado um dos melhores Rivers da história, a equipe que enfrentou o Racing conquistou além da Libertadores de 1996 a Supercopa da Libertadores da América no mesmo 1997 e em 1999, já em seu ocaso, perdeu a Recopa da Libertadores para o Cruzeiro, disputa gerada justamente pelos títulos obtidos pelas equipes em 1997 (não houve data para a disputa em 1998). Além disso, foi tricampeã argentina em 1996, 1997 e 1998, ano em que caiu para o Vasco na semifinal da Libertadores.
Na Libertadores de 1997, contudo, a participação do River foi encerrada já nas oitavas após cair nos pênaltis contra o Racing. No tempo normal, empates em 3X3 em Avellaneda e 1X1 no Monumental de Nuñes. Na equipe titular millionaria, porém, estavam campeões de 1996 como Hernán Diaz, Celso Ayala, Juan Pablo Sorín, Enzo Francescolli e Marcelo Gallardo, que naquela partida formou o ataque com Marcelo Salas, novidade daquele ano. Um verdadeiro esquadrão formado por atletas que tiveram carreira de destaque em suas seleções nacionais e que no dia 07 de maio de 1997, dois meses antes da deflagração da “greve que atrapalhou os argentinos daquela Libertadores” se despedia da competição.
Também em maio e nas oitavas-de-final, uma outra força argentina cairia. O Vélez Sarsfield, mais um time experiente e com uma Libertadores recente no currículo: A de 1994, quando encerraram a série de títulos do São Paulo na competição (1992-1993) em pleno Morumbi. A conquista continental, aliás, foi complementada com uma vitória contundente por 2X0 sobre o Milan no Mundial Interclubes no final do ano. No entanto, na Libertadores de 1997 ficaram pelo caminho diante dos peruanos do Sporting Cristal, futuro rival do Cruzeiro na competição.
A eliminação ocorreu após um empate em 0X0 em Lima e uma derrota por 1X0 em Buenos Aires. Em campo no duelo de volta, porém, estavam Chilavert, Pelegrino, Raul Cardozo, Zandoná, Marcelo Gómez, Cláudio Husaín e Bassedas. Nada menos que sete dos que três anos antes triunfaram sobre o São Paulo no Morumbi.
Atestada a qualidade dos argentinos que caíram nas oitavas em 1997 (Newell’s e Arsenal de Sarandi, argentinos rivais do Atlético Mineiro em 2013, bem como o Vélez dos anos 2000 e o Tigre não faziam nem sombra a estes times. A exceção em 2013 ficava por conta do Boca, vice-campeão de 2012, mas de campanhas medíocres nos anos próximos), chegamos ao assunto greve, uma vez que o Racing ainda estava na competição quando a disputa surgiu no futebol argentino.
O primeiro confronto entre Racing e Sporting Cristal ocorreu no dia 23 de julho de 1997, dia da deflagração da greve na Argentina. Duelo movimentado que terminou em 3X2 para o Racing em Buenos Aires, abrindo vantagem na disputa por uma vaga na decisão.
Naquela ocasião, como noticiou a imprensa argentina, o Racing não aderiu a greve, uma vez que se tratava de uma competição CONMEBOL. De fato, a escalação da equipe foi praticamente idêntica ao time que venceu o Peñarol nas quartas-de-final com apenas uma alteração: Hector Gonzáles no lugar de Mauro Navas, expulso contra os uruguaios. Assim, o Racing enfrentou o Sporting Cristal com González; Mac Allister, Úbeda, Serrizuela e Galván; Hector González, Capria, Michelini e Córdoba; Marcelo Delgado e Martin Villonga.
No duelo de volta, a virada do Sporting Cristal é atribuída aos atleticanos pela greve. Contudo, o Racing praticamente repetiu a escalação mais uma vez. Foram nove titulares em comum ao primeiro jogo, com Mauro Navas retornando de suspensão e Claudio Marini substituindo o lesionado Córdoba. O duelo em Lima, porém, foi marcado por jogadas ríspidas, duas expulsões para cada lado e uma goleada impiedosa do Sporting que venceu por 4X1.
A história da influência de uma greve na disputa daquela Libertadores é desmentida também pelo jornalista Cláudio Mauri, responsável pela cobertura do Racing na competição daquele ano. Além disso, a crônica do próprio Cláudio publicada no importante diário La Nacion no dia da partida reafirma o compromisso do Racing com a competição, a força máxima disponível e sequer fala no tema greve.
O Sporting Cristal, entretanto, foi superior e garantiu sua classificação para a decisão. Na final, todos sabemos o que aconteceu. O Cruzeiro alcançou o bicampeonato da Libertadores, status que somente ele pode ostentar em Minas Gerais. Aos atleticanos, como visto, resta mentir e falar que a greve influiu nos rumos da competição e falsear que a Libertadores vencida pelo time celeste tem menor valor. Afinal, quem tem menos quantidade, tenta se legitimar pela qualidade. E na falta de bons argumentos, o faz na base de mentiras!