29 abr Viva La Vida
Como todo o tempo que precede jogos de Libertadores, hoje é o dia do “não”. “Não, eu não dormi”, “não, eu não estou com fome”, “não, eu não preciso de um rivotril, mas até que isso ajudaria”. Falar de ansiedade é chover no molhado. Falar que nenhum cruzeirense, hoje, está focado 100% na guerra é falácia. Tanta falácia quanto dizer que os adversários têm foguetes comprados depois de 1971.
Como manda o script de um grande espetáculo musical, primeiro vem a bandinha meia boca (que reza todos os dias para conseguir um espaço de destaque) para deixar o público no clima exato para a grande atração, que será hoje. Agradecemos imensamente a tentativa de tentar parecer grandes, mas real grandeza vocês podem deixar com a gente, essa é a nossa responsabilidade. Claro, digo isso com todo respeito que nos é devido ao Santos, já que eles foram a última pedra no caminho que nos conduziu à Libertadores.
O espetáculo de hoje, esse sim, é o que todos anseiam por ver. Quem é cruzeirense assiste com gana de vitória. Quem não é, mas está na Libertadores, assistirá com medo do que pode vir a seguir, já que todos sabem que a América, para nós, é o ideal maior – e todos temem isso. Quem não está na competição vai assistir só para sentir o gostinho da inveja. Vão tentar secar só porque é inevitável pensar que, onde estamos, eles podem jamais chegar.
O espetáculo de hoje, apesar do horário ingrato, terá o Gigante da Pampulha todo azul e branco. Independente de quantas pessoas sejam representadas in persona, se duas ou duzentas mil, são oito milhões de corações pulsando ao redor do mundo, revoltados por não haver respeito da CBF, Globo e todo o resto para com o torcedor brasileiro que não é corintiano ou flamenguista. É hora de reagir a essa zona de horários de forma efetiva, de forma organizada. Mas, que seja. Estaremos lá, ao lado do Cruzeiro, contra tudo e contra todos, lembrando que todos os milhões, hoje, serão um. E que se catraca ganhasse jogo teríamos por aí vários campeões interplanetários. Quantidade, realmente, não é qualidade.
O espetáculo de hoje tem como convidado especialíssimo um time uruguaio que adora um mimimi. Mas que, quando o avião pousa aqui, nessa land down under chamada Belo Horizonte, não faz nada além de tremer e deixar claro que “nada daquilo foi exatamente o que eu quis dizer”. É fácil falar que a terra fofa não é areia movediça quando não se está pisando nela, mas é inevitável não sentir que ela te faz afundar. Talvez seja assim que o Nacional se sinta quando pisar, hoje, no palco do que se espera ser o primeiro grande espetáculo brasileiro nas oitavas da Libertadores: que o único destino possível para eles, aqui, é o fracasso. Não porque somos melhores ou mais organizados (o que somos, de fato), nem porque temos uma tradição indiscutível e sentimos pena de quem a questiona. Mas porque sabemos o que queremos muito bem, e eles estão exatamente no primeiríssimo lugar da nossa lista de degola. Podem escapar, mas irão sofrer. E, Deus, como podem eles não saber do que somos capazes? É como um dia Te pediram: perdoa-os, pois não sabem o que fazem.
Flamengo, Inter, Corinthians e São Paulo foram o mais grato sinônimo de “falha” nessa primeira rodada decisiva. Sobrou para nós mostrarmos, novamente, que essa taça foi feita para ficar em Minas pela terceira vez. A tarefa não é fácil, mas que tipo de recompensa tão desejada vem sem um longo trabalho árduo? Essa jornada, para nós, começa oficialmente hoje.
Apesar de a bandinha meia boca ter tentado desviar a atenção do show de hoje, foi tudo muito em vão. Isso aqui é o Mineirão, é a casa do Maior de Minas. E isso aqui não vai virar o inferno, pois o inferno só se faz onde não existe amor. E amor a gente tem de sobra. Isso aqui não vai virar o inferno de diabos cegos, porque aqui nós conseguimos enxergar o suficiente para ver o medo nos olhos do inimigo. Essa arena, diferente da arena Old Trafford, não é vermelha, como quiseram plagiar. Essa arena é azul e branca.
O tempo teima em não passar, mas logo os ponteiros marcarão 19h, e estaremos 105 minutos mais pertos do grande sonho de nossas vidas. Como diz um grande amigo meu, Libertadores não basta ver – tem que viver. Então que vivamos, mesmo que isso implique em perder alguma margem de lucro ou mentir para o chefe. É só hoje. E precisamos viver o hoje intensamente, como se conquistar o Tri fosse a última coisa que importasse, por um momento, na nossa história pessoal. Só assim, com essa gana, conseguiremos passar para nossos guerreiros a mensagem de que eles precisam, mais do que nunca, dentro de campo, ser os missionários da nossa fé. A fé que você deposita em você, e só.
Isso aqui não é o inferno. É o templo da Liberdade, ainda que tardia.
Ouço os sinos de Jerusalém tocando
Corais da cavalaria romana cantando
Seja meu espelho, minha espada e escudo
Meus missionários em campo
(Coldplay – Viva La Vida)