
19 abr E agora, José? E agora, Cruzeiro?
O Campeonato Mineiro acabou para o Cruzeiro, sucumbindo à máquina humana do Ipatinga, que fez um pouco além de apresentar um futebol aceitável: soube jogar com a falta de direção do outro. Nosso time estava ali, todos viram, mas ninguém viu o que ele buscava, o que queria, onde queria chegar. Era um time, nunca deixou de ser um time. Mas era uma equipe? Lutava por um objetivo? Se sim, ele não foi alcançado como gostaríamos.
E agora que o estrago está feito, mesmo em se tratando de campeonato mineiro que, PARA MIM, é perda total de tempo, todos os imediatistas de plantão começam a pedir cabeças. Identificam péssimos jogadores (sempre os mesmos), péssimas peças de reposição e a grande maioria culpa o técnico. Mas todos nós nos esquecemos, no calor do momento, que o time que entra em campo é “apenas” a ponta do iceberg. Aquilo que sentimos falta está muito além do que onze comandados em campo.
Essa semana estreia no cinema o filme “Alice”, de Tim Burton, baseado no conto de Lewis Carrol “Alice no País das Maravilhas”. Em dado momento da obra, Alice, perdida, pergunta a um gato qual caminho ela deveria seguir, no que ele pergunta para onde ela está indo. Alice responde: “para qualquer lugar”. E o gato conclui: “Nesse caso, qualquer caminho serve”.
Esse gato é um cara muito sensato, e podemos trazer a sensatez dele para nosso meio. Para onde, afinal de contas, o Cruzeiro deseja ir, depois de ganhar a expressiva Tríplice Coroa de 2003? E é nesse ponto que eu, do alto da minha insignificância, sugiro que alguns pontos de “planejamento estratégico” sejam tratados com mais carinho pelos “administradores” do Cruzeiro.
Quando o juiz apitou hoje o final do jogo, aquilo que se desenhava desde o início da partida foi concluído. Parei para pensar por um minuto no que tinha sido tudo aquilo: uma exibição de horrores de um circo de quinta categoria. Jogando assim, onde iremos parar? Decidi checar no site oficial o que os nossos dirigentes vislumbram com esse tipo de espetaculosidade.
Bom, no site vi que temos balanço patrimonial, conselho deliberativo, história, marketing estruturado e até programa internacional. Tudo isso significa transparência e boa gestão. Mas faltou o principal: não achei a missão do Cruzeiro, não achei a visão do Cruzeiro, e nem os valores para ser um funcionário – jogador, técnico, secretário, faxineiro – do Cruzeiro. Na abertura da página, uma arte linda falando que somos o sexto melhor time do mundo.
Então é isso, galera. Somos o sexto melhor time do mundo e isso está ótimo.
Não temos uma missão clara, não temos visão de futuro. Então estressar com Adílson Batista pra que, se não queremos ir além como clube? Ele que, inclusive, por mais que erre, ou que acerte, é um líder impecável no grupo do Cruzeiro, na visão mais ampla possível. Temos um líder nato. Temos um homem que assume a responsabilidade por aquilo que faz, que neutraliza seus subordinados quando o erro acontece, que dá a cara a tapa quando a maior parte da nossa torcida louca bipolar o manda tomar em lugares nada formais. Quando perdemos, quando o fim da linha chega e a luz no túnel era só o farol do trem vindo na nossa direção, pedimos a cabeça dele. Pela falta da missão, visão e valores, vos digo: pedimos a cabeça do homem errado.
O Cruzeiro está cansado de ser campeão mineiro, mas se essa é uma competição da qual participamos, é nossa obrigação como entidade sem fins lucrativos prover o melhor daquilo o qual nos dispomos a fazer. Então, quando houver o corpo mole de alguns, a má vontade de outros, temos que ter a estratégia à vista para dizer: você não serve mais para jogar pelos meus ideais. Você não serve mais para sustentar os sonhos de toda uma nação.
O que coloco hoje, aqui, é que, enquanto não tivermos uma missão e visão (no sentido organizacional da palavra) escritas na frente do nosso nariz, continuaremos míopes naquilo que buscamos. Daí que no fim das contas ficaremos todos entalados nessa bagunça de sair do rural para um time que, no conjunto da obra, não tem um terço da nossa organização, estrutura e qualidade técnica. A “alta administração” do Cruzeiro precisa dizer para a torcida quais são nossos anseios. Nos poupará tempo, dinheiro e desvios de humor.
Claro que agora todos estamos meio emputecidos com os fatos, mas relaxem. Nada acontece por acaso, e ficar ganhando Mineiro todo ano já estava ficando chato. Não fazer parte da final é, sim, um saco. Mas é, também, um abrir de olhos. É um apontamento de direção. É nos mostrar que temos que saber exatamente para onde queremos ir, mesmo sem saber que caminho tomar.
É, como usei no título, nos perguntarmos, a la Carlos Drummond de Andrade: e agora, José? Hoje, 18 de abril de 2010, somos parte dessa crônica:
Sozinho no escuro qual bicho-do-mato,
sem teogonia, sem parede nua para se encostar,
sem cavalo preto que fuja a galope,
você marcha, José!
José, pra onde?
E agora, Cruzeiro? Marchemos para a melhor das gestões (e não apenas uma das boas), para a conquista da Libertadores e para ser o primeiríssimo melhor time do mundo? Se já tivermos em mente esse objetivo, ao caminho só nos restará a certeza da glória. A vitória, sempre. E, por mais que as pedras venham, e até nos derrubem certar vezes, esse time, com um propósito claro, nunca caminhará sozinho.