Crônica de uma noite bem dormida


Quem lê meus textos em dia de Libertadores sabe que minha rotina (ou ritual) para esses dias é quase sempre o mesmo: dormir mal, acordar inquieta, passar o dia nervosa, dando manotas, falando besteiras  e tendo dores pelo corpo. Também sabe que eu defendo a teoria de que, nesses dias, jogo é guerra – e menos que “tudo” vira, invariavelmente, “nada”. Não há como fugir de um ritual e de um discurso pré-libertadores. Mas esse ano algo diferente acontece.
 
Para começar, há tempos não durmo tão bem em véspera de jogo quanto dormi hoje. E acredito que isso não seja apenas um reflexo da minha vida, e sim de toda uma nação de cruzeirenses apaixonados que podem, finalmente, dormir tranqüilos em dia de mata-mata. Ontem mesmo li por aí que Ronaldo, o Fenômeno (doa a quem doer), comparou nosso time com o Barcelona, time que ele mesmo julga o melhor do mundo dos últimos 15 anos. E vi muito coleguinha de twitter e outras redes sociais falando aí de demagogia, de que isso é mimimi, de que isso é preocupante. É preocupante por que? Ninguém está cantando vitória antes do tempo, muito menos o aposentado Ronaldo. É só um grande jogador (o maior que EU vi jogar até então, e sem trocadilhos) falando bem – e merecidamente – de um grande time. E exaltar esse Cruzeiro fodástico que apareceu para nós em 2011 é o mínimo que o resto deste país, tão capenga na formação de seus times regionais, pode fazer.
 
Quem segue a coluna sabe, também, que passei uma temporada na Europa. E na Europa tem mais brasileiro que no Brasil, dependendo da época do ano em que a gente vai. E sempre que eu encontrava um grupo de brasileiros, rolava o papo futebol. E muito prazer, eu sou Laís, a cruzeirense do trio (as duas amigas que me acompanhavam são atleticanas). Não era raro eu ouvir nessas conversas: “o time de vocês está dando trabalho, hein! Dessa vez vai ser campeão”. E eu, sem internet (tava caaaro!), sem contato com o mundo ao sul do Equador, tinha meu discurso na ponta da língua: “não se iluda, meu caro, porque eu não me iludo que um time que tem Wellington Paulista no ataque será campeão da Libertadores”. Qual não foi minha surpresa ao saber, ao voltar, que essa peça não era mais parte do jogo. E que, em campo, os jogadores estavam suando em bicas de sangue para levar o time até onde chegou. E isso mostra até onde pode chegar, se a postura for sempre essa.
 
Comparar meu Cruzeiro, que lá fora não é tão conhecido quanto Flamengo ou Corinthians, por exemplo, ao Barcelona também me surpreendeu. Mas saber que ele estava estraçalhando os adversários, se tornando cada vez mais temido na América Latina e virando hors concours absoluto no campeonato mineiro não me fez arquear sequer uma sobrancelha de surpresa. Afinal, eu nunca esperei desse time menos do que isso. E depois de muito, muito tempo – e bota aí uns oito anos na conta, por baixo – esse time está realmente merecendo todo o nosso apoio, nossa credibilidade e nosso amor infinito pelas cinco estrelas. Isso não é cantar vitória antes do tempo; isso é acreditar, sem limites, que agora somos inexoravelmente capazes.
 
Nem vou falar muito sobre o adversário. Não por não respeitá-lo – acho que a nossos amigos devemos lealdade e, aos inimigos, respeito. Acredito que o jogo deve ser uma batalha mesmo e que o Cruzeiro não pode entrar de mimimi achando que o Once Caldas (ou Onze sem Calça, como diz meu primo atleticano) vai ser presa fácil, mesmo porque é nessas horas mesmo que a jiripoca pia e o manto celeste resolve ter pena da pequenez técnica dos outros. E o resultado catastrófico (um beijo, São Paulo) todo mundo sabe. Mas como estive fora na maior parte da primeira fase, não acompanhei o time colombiano, não sei o que eles fizeram, o que pretendem fazer e aonde querem chegar. No fundo, isso nem me interessa. Interessa é o que o Cruzeiro pode fazer e onde pode chegar se galgar um passo de cada vez.
 
A China Azul está careca de saber que futebol é talento e técnica, sorte e merecimento. E sorte, no fim das contas, acaba sendo a junção fácil de tudo isso: merecer e ter. Talento: temos. Técnica: temos. Merecimento: acho que ninguém que se classificou, agora, tem mais do que a gente. Precisamos apenas da sorte para que o adversário esteja lento, para que exista ar na altitude, para que as nossas estrelas estejam iluminadas na noite dessa quarta-feira. Hoje eu acordei tranqüila. Mas mesmo assim, com um friozinho na barriga, quero dormir bem de novo esta noite, e no fim das contas “só tenho um simples desejo: hoje eu só quero que o dia termine bem”.