O auto de fé de Deivid já começou


No futebol brasileiro os torcedores e dirigentes são verdadeiros inquisidores. Sempre vigilantes, com lenha cortada e tochas na mão, a qualquer momento a fogueira para queimar mais um treinador pode ser acesa.

Como na antiga Inquisição, as acusações para se armar o auto de fé, cerimônia em que publicamente se lia as condenações e executava-se os condenados, são as mais diversas. Como na antiga Inquisição, por muitas vezes as acusações são precipitadas e a condenação um exercício personalista de fé baseado em implicâncias pessoais, análises parciais da realidade e um desejo incontrolável do inquisidor de aplicar uma condenação exemplar enquanto grita: “Eu avisei”.
Em alguns casos, a Inquisição do futebol brasileiro pode ser benevolente. Edgardo Bauza, técnico do São Paulo, é preservado do fogo mesmo após um início de temporada que envolveu uma classificação dramática contra o César Vallejo na pré-Libertadores, derrota incontestável no clássico contra o Corinthians e o vexame diante do The Strongest no Morumbi nesta quarta-feira. Para Bauza, a Inquisição já mostra as tochas acesas, mas diz: “Você foi um bom fiel no San Lorenzo. Te daremos mais um tempo para provar a sua fé.”
A Inquisição é benevolente com Muricy Ramalho, técnico do Flamengo. Os empates com Ceará e Boavista e as derrotas para Vasco e Santa Cruz são ignoradas pelos inquisidores. “Um fiel vitorioso e com muitos serviços à nossa fé. Podemos ter certeza de que tudo que houve até aqui foi responsabilidade de terceiros, não dele.”
Mas Deivid não tem a mesma sorte. Recém-chegado e olhado com desconfiança pela Inquisição, seus pecados são expostos, mesmo quando não há. Em menos de 30 dias, seus erros são evidentes. “Ele opera falsos milagres”, grita o primeiro inquisidor. “Ele não sabe o ritual correto”, berra o segundo. E diante das atuações inconstantes de seu rebanho, mesmo nas vitórias contra Tombense e Tupi, já surge uma multidão de tochas acesas pela vila do futebol aos berros. “Queime-o! Queime-o.”
O fato objetivo, diante desta breve história, é que o auto de fé de Deivid já está armado e o treinador colocado na fogueira. Poucos escapam desta situação. Só um milagre (ou um título) costuma dar uma sobrevida, pois normalmente quem sobrevive a um auto de fé meses depois encontra outro. O julgamento da Inquisição no futebol é constante e os inquisidores não cessam.
Com julgamentos parciais e subjetivos, que preservam uns que cometem os mesmos pecados que outros, a Inquisição cinco estrelas já demonstra de forma clara não tolerar iniciantes. Para escapar do fogo, Deivid não poderá não só pecar. Deivid terá que ser um santo!