Existem derrotas e derrotas


Existem derrotas e derrotas - Fot: Peru.com

Algumas derrotas são mais doloridas no peito, como a de 1998 ou 2009. Outras, repugnantes, como a de toda a raça humana no episódio Tinga – apesar de repudiar com extremo asco o acontecido na noite dessa terça-feira, esse não será o assunto da coluna de hoje – ou aquelas inúteis, como um tropeço no Mineiro numa noite qualquer que vingue ruim. Contudo, existem aquelas que nos forçam algumas lições e reflexões goela abaixo. É nessa última categoria que a derrota para o Real Garcilaso se enquadra.

Calma ao torcedor cruzeirense. Não é hora de caça às bruxas, longe disso. Evite entrar em qualquer estágio de revolta que dure mais que as primeiras horas da madrugada que sucede o recente revés. Não é momento para isso. O que aconteceu é um convite à reflexão, como deve ser cada atuação dessa equipe, na alegria ou tristeza. O Cruzeiro mereceu perder. Necessitou perder. Explico.

Assim como aquela derrota para o Flamengo no ano passado, que nos custou uma sonhada e palpável Copa do Brasil, a primeira partida do Cruzeiro pela Libertadores 2014 deve ser pensada muito além do resultado dentro de campo. Perdemos três pontos preciosos, que podem fazer a diferença numa classificação geral. Mas além da fraca atuação no segundo tempo, precisamos argumentar o contexto em que nos colocamos no momento.

O atual Cruzeiro não é imbatível. Nunca foi. Mesmo em 2013, com uma campanha irretocável no Brasileiro, só tivemos a chance de disparar na tabela após um processo de amadurecimento extremamente forçado. A derrota para o Flamengo mostrou ao Cruzeiro seus pontos fracos, demonstrou que abdicar da sua essência poderia ser perigoso. E ao perdermos, soubemos rebater com toda força qualquer desconfiança que pairou e alavancamos para uma campanha histórica. Porque? Simples. Tivemos que provar o gosto da derrota na boca para sequer pensar em degustar o êxito. Perdemos para ganharmos. Perdermos, além da maior capacidade do adversário naquela partida, para reafirmarmos a nós mesmos que ainda era preciso trabalhar melhor o time, estratégias, etc. Um baque necessário que jogou na nossa cara a necessidade de adotar uma postura diferente e impositiva.

A estreia na Libertadores emerge como o segundo ato desse ciclo. Perdemos para um adversário inferior tecnicamente, num contexto totalmente adverso em terras andinas. Perdemos porque fomos incapazes de vencer quando tivemos a chance e isso martela como um problema desse atual Cruzeiro. Matar jogos significa marcar o primeiro gol, mas correr atrás do segundo, terceiro, com a mesma gana em todos eles. Não deve haver espaço para relaxamento, como testemunhamos. Uma defesa enfrentando problemas básicos como a marcação de primeiro pau ou saída de gol do nosso goleiro não merece passar ilesa. Ela merece sofrer pra entender que precisa se acertar. Assim como uma maior proteção dos volantes ou melhor rendimento no setor ofensivo deve ser cobrança constante.

Acima de tudo, a derrota na estreia serve para colocarmos os pés no chão. Grande parte da torcida carrega uma expectativa pulsante nesse time de 2014, especialmente na Libertadores. Creio que os jogadores e comissão técnica também. Conjecturamos o potencial dessa equipe e sabemos que ela tem o necessário para avançar na competição e fazer um bom papel. Mas só isso não basta.

Saibamos reconhecer com humildade que a competição é dura e o nosso time está longe de ser perfeito, por mais que os papos de boteco ou resenhas de churrasco afirmem o contrário. Essa derrota deve ser encarada na visão do torcedor como um alerta, um puxão de orelha. Sim, porque sejamos honestos: todo favoritismo nos foi atribuído e aceitamos o mesmo de forma condescendente. Carregamos o peso de um bom futebol em 2013. 2014 é uma outra história, uma outra temporada. As justificativas e expectativas precisam se materializar em campo, não no plano hipotético-clubísitco-torcedor.

A derrota dessa terça-feira serve como aquela lição dada pelos pais, que, cientes de um perigo iminente, deixam o filho impetuoso se estrepar para aprender o real valor da cautela e preparação. Perdemos para um time mais fraco, em uma competição que temos cancha e deveríamos nos impor. Mas não foi dessa forma. A vida segue. O que precisa ficar como moral da história é a obrigação de se trabalhar calado, honestamente e com pés no chão para alcançar o êxito.

Da mesma forma em que assimilamos uma dura lição ao sermos eliminados pelo Flamengo em 2013 e nos tornamos mais fortes, arrancado para o título, nossa estreia na Libertadores quica como uma oportunidade de aprendizado em formato de bola a ser agarrada por todos que fazem o Cruzeiro atual.

Pés no chão, sensatez, expectativas condizentes e trabalho dentro e fora de campo. Adotemos essa equação e qualquer dúvida tende a cessar. Sigo confiante.