Boa sorte para o próximo


Quem me conhece sabe muito bem que, além de cruzeirense, eu sempre fui Adilson Batista FC, e não era por causa dos lindos olhos azuis do nosso treinador, que combinavam tão bem com o manto sagrado. Isso contou pontos, claro, mas AB me conquistou por ser competente, não ter rabo preso com a imprensa e, principalmente, por ser cruzeirense.

Adilson BatistaAB é cruzeirense quanto cada um de nós, e por isso às vezes enfiava os pés pelas mãos. Nesse técnico pulsava um coração metade profissional, metade torcedor. E todo torcedor sabe que de médico e treinador todos temos um pouco. O “dia do fico” às avessas de Adilson Batista doeu fundo porque, apesar de segurarmos com primazia o Santos, a derrota foi árdua nos bastidores. Perdemos o guerreiro que nos trouxe brio, brilho e raça.

Com Adilson Batista não tivemos títulos de expressão, mas chegamos perto e batemos na trave com o mesmo time que outrora lutava como se jogar futebol fosse a última coisa a se fazer na vida, e não importava se alguém pipocava em campo ou estava num mau dia – a culpa, sempre, era do treinador. Porque é do treinador. Porque o treinador é o bode expiatório da torcida, da imprensa e da diretoria. E, infelizmente, treinador no Brasil bate de frente com o imediatismo do brasileiro, que quer “tudoaomesmotempoagora”. E, por ser imediatista, mostra-se ainda mais burro do que o treinador que ele xinga.

Quem me conhece sabe que Adílson Batista seria, para mim, Alex Ferguson, e bla bla bla. Não vou recomeçar aqui a historinha de que Sir Alex ficou anos a fio sem ganhar nem medalha de honra ao mérito no Manchester para depois ser campeão mundial por diversas vezes, mesmo porque ainda estou no quarto parágrafo e já tem gente querendo me matar. Portanto, vou engolir a minha inveja branca da inteligência futebolística inglesa e, se um dia essa cultura futebolística brasileira me der tanto nos nervos a ponto de eu não conseguir mais conviver com isso, pego esse nosso dinheiro que não vale uma libra e me mudo para a terra da rainha. Mas o interessante é que, até lá, eu continuarei sendo cruzeirense.

Serei cruzeirense como Adilson Batista foi e, se um dia eu encontrar com ele pelas estradas da vida, direi que a saída dele não foi pela “felicidade geral da nação”, pois eu faço parte da nação e, para mim, não foi nenhuma felicidade. Aí você, que não concorda comigo e irá me chamar de “adilsete”, vai dizer que eu e um bando de outros somos malucos por apóia-lo. Afinal, o cara colocava Pedro Ken para jogar, e Ken nada mais é que marido de boneca. O cara punha Guerrón, o cara enchia o time de volantes, a zaga estava horrorosa, e o cara nada fazia. Mas é por causa dessas coisas que o cara fazia, meu caro, que eu acho que o Cruzeiro enfiou, completamente, os pés pelas mãos.

Afinal de contas, ontem, contra o lanterninha da competição, o ataque entrou com WP porque não tinha mais Kleber. Na escalação, aquela mesma renca de volantes de sempre. Na zaga, nomes que chegam a dar calafrios em alguns. No gol, São Fábio, sempre exigido demais porque sabemos que nos outros setores a chance de nada funcionar é muito grande. Enfim. Emerson Ávila errou? Deu uma de AB ao colocar Pedro Ken? Guerrón? Acho que ele colocaria outras opções, se outras opções ele tivesse. Ele teria uma zaga consistente se, ao invés de comprar mais um atacante, ZZP tivesse trago um belíssimo zagueiro. Nem olhos azuis precisaria ter, era só evitar gols e tava tudo resolvido.

Está certo que AB não tinha mais voz de comando no time. Acontece quando o exército não compra a briga que quer lutar o general. É impossível um líder ser líder se não tiver seguidos, é impossível ter voz de comando em um ambiente onde quase ninguém quer ser comandado. Mas quando um lateral cai toda hora e dá showzinho quando ele próprio está errado; quando um volante bate uma falta nos pés do adversário; quando um atacante mete uma bola fulminante na trave perdendo a chance de correr para o abraço, nada disso é culpa do treinador. A menos que o treinador entre ele mesmo em campo para resolver a situação, tem coisas que a gente não pode jogar nas costas dele. A culpa, em esportes coletivos, jamais pode ser jogada em uma só pessoa, porque são 12, no futebol, em todas as partidas, tentando fazer história. Às vezes uma só pessoa conduz um time à vitória; mas é praticamente impossível que aquele que está fora das quatro linhas seja a único responsável pela derrota.

Eu sou uma péssima treinadora, e meu time no Cartola deixa isso bem claro. Quando vou a campo, e vejo uma substituição que eu julgo mal feita, mesmo sem ter ido um dia da semana sequer ver um treino e o que acontece dentro da Toca, eu xingo e esperneio, mas me orgulho de nunca ter chamado Adilson Batista de “burro”, porque burra sou eu. Tem dias que eu me acho a mais cruzeirense do mundo, e eu sei bem que se fosse presidente ou treinadora desse time, levaria o Cruzeiro à falência ou à segunda divisão. Mesmo não sendo nada disso, mea culpa se o Cruzeiro não ganha, porque a minha torcida vaia jogadores e treinadores durante jogo e, como eu disse milhões de vezes, eu nunca vi ninguém ser mais valente quando está sendo vaiado.

O outro lado da lagoa nos mostra que bons técnicos não fazem absolutamente nada com times pífios, portanto, Emerson Ávila, a culpa não é sua se você não tem opções de banco como outros times brasileiros têm. Dizem que Cuca vem aí, né? Boa sorte Cuca, e a culpa não vai ser sua se não der conta desse grupo que, por bem ou por mal, esteve três anos na mão de outra pessoa. Boa sorte também se quiser trazer mais um atacante quando o time precisa de um zagueiro. A regra será essa: faça mais gols que o adversário, porque se São Fábio não estiver bastante inspirado, os gols desse adversário virão.

Boa sorte também por entrar em um time que não explica as demissões que aplica, que deixa a torcida feito trouxa esperando por reforços e rezando, todos os dias, para que seus titulares não se machuquem. Boa sorte porque se, depois da Copa, esse time não for para o alto e avante, você será cobrado. Será chamado de burro, dará à imprensa mineira exatamente o que ela quer e, provavelmente, pedirá para sair antes de completar um ano de casa. E boa sorte, principalmente, porque, pela falta de opção e de inteligência de muita gente, aqui se criou uma cultura. AB seguirá sua vida e, qualquer dia desses, o Cruzeiro sairá de sua cabeça. Mas ele próprio não sairá tão cedo do Cruzeiro. 2×1 nos mostra que o problema, obviamente, não estava onde a maioria desejava que estivesse. Mas brasileiro é imediatista, foi-se feita a “democracia” e o rei morreu. Vida longa ao rei.