Amaury de Castro – o craque doutor


Amaury de Castro – o craque doutor - Cruzeiro Esporte Clube - Foto: acervo pessoal

Amaury de Castro jogou o futebol de outros tempos. Dos tempos romântico, dos tempos em que dinheiro e carreira profissional no esporte corriam em lados extremamente opostos. Seria o futebol dessa época melhor? Alguns que presenciaram o período garantem que sim. Amaury também achava que sim. “A ingenuidade daqueles tempos tornava o futebol mais lúdico e, por isso, mais puro e belo”, dizia.

Foi esse Amaury que entrevistei em março de 2010. Usando recorrentemente palavras como “pureza”, “lúdico” e “ingenuidade”, esse ex-meia cruzeirense deixava transparecer a todo instante  outras duas paixões: as crianças e a medicina. Jogador de futebol profissional até 1962, largou o esporte naquele ano para se dedicar à pediatria, vocação que exerceu até setembro de 2012, quando faleceu aos 79 anos, em decorrência de uma parada respiratória.

Mas o futebol, embora tenha ocupado menos tempo na jornada profissional de Amaury do que a medicina, foi exercido com paixão e excelência. Tanta paixão que defender as cores celestes entre 1957 e 1961 resultou em amor ao clube até o fim da vida. Tanta excelência que, nos anos 90, foi conferido a ele o  prêmio Belfort Duarte, por jamais ter sido expulso na carreira.

Amaury de Castro defendeu as cores do Cruzeiro em 233 jogos. Marcou 40 gols e faturou três títulos estaduais (1959, 60 e 61). Depois que deixou os gramados, tornou-se conselheiro nato do Clube e atuou por muitos anos no Raposão, time master do Cruzeiro.

Abaixo, a íntegra do bate-papo do blogueiro com o doutor Amaury:

A INFÂNCIA E O FUTEBOL
Desde menino, no interior de Minas (Carmópolis), eu “sonhava” com o futebol. Aos 11 anos de idade fui estudar em Belo Horizonte no internato do Colégio Arnaldo, e, nessa época, eu já tinha um “cartaz” entre os colegas, pois sempre era escolhido em primeiro lugar, quando se formava os times. Mais tarde, quando estava na Seleção Juvenil de Minas, fiz o vestibular de Medicina, e mesmo aprovado e estudando, não parei de jogar. O Sete de Setembro, um clube modesto, procurou-me e aceitei jogar inicialmente como amador. Como o Clube ficou satisfeito com o meu desempenho, me fez uma proposta para assinar um contrato profissional. Aceitei, mas fiz questão de constar cláusula nos meus contratos, que estipulava o seguinte: “ O atleta ficará dispensado de jogos, concentrações e excursões quando, a seu critério, houver prejuízo para os seus estudos”. Ressalte-se que nunca tive necessidade de usá-la. A minha família sempre me deu apoio. Sabia que acima de tudo a Medicina era minha prioridade.

ESFORÇO DO SETE DE SETEMBRO: DIRETOR RECORREU ATÉ A IMAGEM DE N. SRA. DE FÁTIMA
Para a reforma do contrato com o Sete de Setembro recebi uma proposta. Brinquei dizendo que se eu encontrasse uma melhor, eu aceitaria. Responderam que jamais encontraria outra melhor do que aquela. Foi quando o Cruzeiro interessou-se pelo meu passe. Aconteceu mais ou menos assim, devido ao seguinte acontecimento: na disputa pelo titulo mineiro o Cruzeiro foi campeão do 1º turno. Se ganhasse o 2º turno seria campeão mineiro após 13 ou 14 anos. Num dos últimos jogos do 2º turno, partida disputada no campo do Cruzeiro o Sete foi seu adversário. O Cruzeiro vencia por 2×0, e faltando alguns minutos para o término, um jogador do Cruzeiro fez um gol contra. Aí o time do Sete partiu para o ataque e nos minutos finais eu fiz um gol e empatei o jogo. Isto possibilitou duas partidas melhores de três, entre o Cruzeiro e Atlético, e este útimo ganhou o campeonato. Na segunda-feira, após este jogo, fui procurado por diretores do Cruzeiro. Fui pego de surpresa, e eles pediram para que eu apresentasse uma proposta. Para ganhar tempo falei que iria consultar meu pai (médico, que nada entendia disso), e ele aconselhou para eu pedir o dobro que o Sete havia oferecido. Pedi e os dirigentes do Cruzeiro aceitaram. Entretanto, disse que queria explicar ao Sete de Setembro o acontecido. Foi programado um encontro no apartamento de um diretor do Sete, que gostava muito de mim. Quando cheguei ao local, na entrada do prédio da Rua São Paulo, a porta estava cheia de fotógrafos e torcedores. Na conversa no apartamento nada se resolvia. Então, pedi a palavra dizendo que o Sete me fez uma proposta e o Cruzeiro outra, bem maior, que havia concordado com a do clube celeste. E, acrescentei que se o Cruzeiro abrisse mão da minha palavra, começaríamos do zero. Os diretores cruzeirenses disseram que já estavam comprometidos com a torcida e não aceitaram. Assim, decidi assinar o contrato com o Cruzeiro. Nesse momento o diretor do Sete, muito amigo, retirou debaixo de uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, um retrato meu e disse que era para provar como ele queria que eu continuasse no clube.

O CRUZEIRO NO FINAL DOS ANOS 50
O Cruzeiro era a 3ª força do futebol mineiro, em seguida ao Atlético e ao América. Havia passado vários anos sem ser campeão. Ganhamos a partir desta data 3 campeonatos seguidos. A partir daí surgiu a sede campestre (um luxo), a Toca da Raposa I, a Toca II… No Barro Preto, quase no centro de Belo Horizonte, transformou o antigo estádio numa praça poliesportiva linda. Na Rua Timbiras, paralela à Rua Guajajaras, foi construído um edifício com muitos andares para a sede administrativa. Um portento.

POSIÇÃO QUE ATUAVA
Eu era um centro médio que atacava bastante, tinha ótimo preparo físico. Felizmente, perto da área adversária sempre sobravam oportunidades, eu não as perdia e fazia gols.

ESCOLHA PELA PEDIATRIA
Já no 5º da Faculdade de Medicina, ainda sem ter tido a disciplina de Pediatria, resolvi pela especialidade, porque sempre achei a criança um ser puro e dócil, quando percebe que você a quer bem. Aprendi com o sacrifício de meu pai, um obstetra que acompanhava a parturiente em todos os sentidos, e tinha a paciência necessária para esperar um parto normal, numa medicina pura, mais sensível e mais bonita, autêntico médico de família.

LIGAÇÃO COM O CLUBE
Continuo ligado ao Cruzeiro. Sou conselheiro nato com muita honra. Durante muito tempo, quando parei de jogar profissionalmente, continuei jogando no Raposão, time formado por ex-jogadores. Todos os sábados após o jogo havia a conversa descontraída com roda de samba e cerveja. Tenho muitas saudades! O Cruzeiro teve uma participação muito importante na minha vida. Fiz grandes amizades que perduram até hoje, e fico envaidecido quando se lembram de mim, principalmente os mais velhos que me viram jogar.

HISTÓRIA CURIOSA
Uma fã, certa vez, pelo telefone me deu uma “cantada” dizendo que morreria se não saísse comigo uma vez. Eu já a conhecia de vista. Ora, não ia deixar isto acontecer!

O CRUZEIRO
Na verdade tudo que engrandece o Cruzeiro me enche de alegria e satisfação. A minha contribuição foi pequena, mas me orgulho disso. Pode-se dizer que a grande arrancada do Cruzeiro foi iniciada com o tricampeonato que conquistamos. A partir daí, com grande visão dos seus diretores construiu-se os alicerces deste majestoso Clube Celeste.